Caí
Caí, malta.
Caí, e caí a sério. E porque sinto que não se fala o suficiente nisto, vou falar. Mas antes de me leres, tem em consideração que este é uma das partilhas mais vulneráveis que já fiz.
A última vez que me senti no abismo e a depressão me engoliu, os sentimentos principais eram pânico, desespero, negação, dor e tristeza. Era luto.
Eram demasiadas emoções, demasiado intensas, por um período demasiado longo. Era o desespero de querer sair da minha mente que eu não conseguia calar. Era uma dor emocional que se sentia fisicamente.
Mas nos altos e baixos do luto, lá aparecia de fininho a esperança em dias melhores ou um sorriso sincero inesperado e depois da medicação me acalmar a mente, chegou a haver dias mesmo bons.
Mas aquela dor tinha-me mudado e eu não sabia se gostava desta nova Sofia. Sentia-me assoberbada com a pressão da vida, ganhei vergonha de me dar conhecer quando nem eu mesma sabia quem era. Senti que não podia permitir que mais ninguém me magoasse e para ninguém me magoar eu tinha que deixar de ser vulnerável e disponível. Apaguei as redes sociais, rejeitei convites, parei de me expor e isolei-me na minha bolha. E sem me aperceber, aqueles dias mesmo bons e ocasionais, deixaram de existir. Porque nessa bolha faltou amor próprio e auto estima. Nessa bolha faltou compreensão e amor. E de tanto querer calar as emoções más, calei-as todas.
Calei a dor, o desespero, a ansiedade e, vê bem, até a medicação consegui deixar. Tudo indicava estar melhor. As crises de pânico são raras e a ideia de suicídio não está mais tão presente. E porque digo que cai a sério agora, então? Porque agora não há nada que eu sinta, não há nada que eu decida, não há rumo que eu veja. Tornei-me um vegetal a viver ao sabor do que a vida traz, sem vontades ou promessas. Aceitei que a vida será isto, e só isto. Vazia. E se escrevo isto aqui é para me obrigar a reconhecer em que ponto estou, já que até isso eu calei. Agarrei-me a todo o tipo de distrações (prejudiciais , outra coisa que não reconheço em mim), começo coisas que nunca acabo, crio objetivos que não duram 24h. Não me comprometo com nada para não falhar, e evito, ainda assim, todo o tipo de raciocínio que me tire de onde estou. Deixei de me sentir boa companhia, acreditei que os meus demónios ganharam. Deixei-os ganhar.
Há quase um ano que me deixei cair sem me aperceber. Há quase um ano que me minto a dizer que assim não está mau. Há quase um ano que não me reconheço. Agarro-me ao supérfluo para evitar a verdade.
Não é mais uma questão de sair da bolha e começar a viver, porque não é viver quando nada te traz prazer ou satisfação. Logo eu, que me encantava com os detalhes, desencantei-me da vida no seu todo. Não me sinto capaz, não me sinto forte, nem fisica nem emocionalmente e evito a todo o custo conversas difíceis e pensamentos intrusivos. Sinto que vivo contra a minha intuição e não consigo ouvir nem a razão.
Se há uns tempos a minha motivação para cá estar era as pessoas que amo, hoje o que me mantém aqui é a falta de coragem de ir embora. Já nada importa, já nada vale o esforço e todas as minhas crenças e valores foram ficando para trás.
Uma mente doente num corpo fraco. Uma vida sem sentido que nunca mais acaba, mas que não me traz desespero. E fui achando que isso bastava, que já não era mau.
Mas é. Porque uma parte lutadora em mim ainda me diz que a vida deve ter mais para oferecer. E tem. Para quem, ao contrario de mim, está aberta a essas experiências. Hoje vejo que me anulei de tal forma que é impossível acreditar que sou alguém de valor. E como pode alguém deixar-se amar se não se tem em boa conta? Como pode alguém usufruir de boas relações se não se doa?
O meu corpo une-se à minha mente e ambos gritam para que eu saia deste estado de apatia e conformismo. "Tu não eras assim" é o que ouço todos os dias e abafo com um novo livro, 3h no tiktok ou chás para dormir o mais cedo possivel.
Achar as respostas para o que quero do futuro, para que trajeto eu quero seguir, não é prioridade. A luta agora vai começar por perceber o que me faz mal e ouvir, com ouvidos bem abertos, o que o meu íntimo me diz. Aquele que eu calei e que agora dava tudo para ouvir de novo. Calei, e com a sua voz foi a minha possibilidade de me recuperar, a minha esperança em dias melhores.
A luta é recuperar a Sofia. A que eu lembro, sem as novas modas de autoconhecimento ou melhorias, sem seguir linhas de raciocinio ou premissas da internet. Já só procuro quem sou, para que a partir daí eu possa voltar a fazer escolhas que se alinhem com o que me faz feliz.