Um dia com depressão
Às voltas na cama, o corpo moído, a chuva bate nas janelas. Ouve o ronron do seu companheiro, a destruir-lhe o edredon com as unhas como quem amassa a massa de pão. E sorri. É fantastico o que o amor supera. Faz-lhe festas e ele da-lhe turras de bom dia.
Quer um café, mas está frio la fora, nao lhe apetece sair debaixo dos lençóis. E na verdade nem lhe apetece assim tanto o café. É o mecanismo automático de inicio do dia, e o dia parece-lhe tão vazio que se imagina a passar o dia todo na cama com o seu gato.
Não se reconhece. Falta-lhe energia e entusiasmo. Falta-lhe vontade. Mais do mesmo a espera... café, preparar lanche e malote, nao saber o que vai almoçar, ir trabalhar ate as 21h, tomar banho, voltar a casa e aos ronrons do Lucky, enroscar-se na manta do sofa com ele, até ao sono vencer e voltar onde está agora. Sabe que so ela pode mudar esta realidade, mas nao lhe apetece e até se permite compreender-se... ninguém estaria entusiasmado com o que o espera, nesta situação.
Sim, ter trabalho é bom. Ter o seu gato é ótimo. Ter uma cama confortável e dinheiro para comer é maravilhoso. Mas falta qualquer coisa. Este vazio nem sempre mora nela, mas ha dias em que ele aparece e toma conta de tudo, deixa tudo cinza à sua volta.
O corpo doi-lhe, o choro está eminente, os pensamentos absorvem-na e ela ja conhece o roteiro. Vira o botão. Afasta os pensamentos persistentes que lhe querem provocar ataques de pânico - já conhece as manhas do seu cerebro tao bem, so gostava de as conseguir evitar - e da mais uns mimos, recebe mais umas turras, levanta-se e força o primeiro sorriso no espelho da casa de banho. Assim será o dia, porque ela nada fará para que seja diferente. Entao, que seja de sorriso falso na cara, ja que o genuíno hoje tirou folga.